O New Deal, um plano de recuperação da economia dos EUA, foilevado a cabo com sucesso pelo presidente Franklin D. Rooseveltapós o desastre bolsista da Quinta-feira negra de 1929.
A Primeira Guerra Mundial gerou, nos EUA, um aumento espetacularda produção agrícola e industrial, acionando paralelamente, de formarápida e sem precedentes, uma explosão no seu mercado financeiro,reforçando o valor do dólar à escala mundial. Novos métodos deprodução (estandardização e produção em série, por exemplo) econcentração empresarial tornam o panorama produtivo americanoainda mais concorrencial e rentável. A Europa sentiu todo essedesenvolvimento americano, principalmente através dosinvestimentos - em forma de empréstimos - na banca e na indústria,abalada e, em alguns países, destruída pelo primeiro grande conflitodo século. Assiste-se, nos EUA, a um surto crescente deprosperidade, que se refletiu em termos de nível de vida erealizações culturais, caindo-se no exagero e no supérfluo em termosde consumo - os loucos anos 20, the roaring twenties. A crençacega dos americanos no seu poder económico e no seu estatuto deprimeira potência mundial confirmava o sonho americano, definindoum estilo de vida que marcou toda uma época.
Era, no entanto, uma prosperidade aparente, um desenvolvimentonão sustentando, apresentando bases frágeis. Os níveis desuperprodução industrial e agrícola e a especulação financeiraatingem dimensões irreais. Regista-se, então, uma acumulação deprodutos sem escoamento comercial possível, o que baixa em flechaos preços, afetando as empresas e os agricultores. De repente, noevoluir desta situação financeira, acaba, de forma brutal, aespeculação a que se assistia. A 24 de outubro de 1929 dá-se ocrash na Bolsa de Valores de Wall Sreet, em Nova Iorque: a vendamaciça de valores das empresas em crise não encontra compradores,originando uma incrível descida nas cotações. Tal situação lança opânico nos acionistas, que logo vendem as suas ações e retiram osseus capitais dos bancos. O valor das ações continua a baixarsignificativamente. Os bancos encontram-se descapitalizados emvirtude do elevado número de empréstimos, o que os leva a retirar oscapitais investidos na Europa. Falências de bancos e empresas,desemprego, criminalidade, miséria, crise, eis a Grande Depressão.
Mergulhados numa crise sem saída visível, os EUA, arrastandoconsigo o resto do mundo, vivem anos de desespero. Tomam-seimperativas reformas económicas e políticas. Em 1933, perante aincapacidade de resposta à crise e dificuldades governativas dopresidente Herbert Hoover, é eleito seu sucessor o democrataFranklin D. Roosevelt, que imediatamente elabora um programanacional de medidas reformistas para solucionar a crise e relançar aeconomia. Lança aquilo que se costuma designar por New Deal,termo inspirado no jogo de cartas tão em voga nos tempos dosucesso fácil. É como que uma nova distribuição das cartas, umnovo jogo, isto é, uma nova etapa da vida americana, aredistribuição (do inglês to deal) de rendimentos de forma arestabelecer ritmos e níveis sustentáveis de produção edesenvolvimento, sem as fragilidades dos anos 20. Mas como, comum cenário tão cinzento e o espetro constante da miséria.
Baseando-se nas teorias do economista inglês John Keynes,Roosevelt propõe-se resolver o flagelo do desemprego incrementandoo poder de compra no sentido de recuperar níveis equilibrados deconsumo, de forma a relançar o tecido produtivo americano emquantidade e evitando tendências de superprodução. O New Dealpressupunha, ao mesmo tempo, uma forte intervenção estatal naeconomia e na sociedade.
Essa intervenção e vigilância do Estado sentia-se ao nível daplanificação e elaboração de regulamentos de aplicação práticarigorosa, visíveis na limitação e controlo dos preços agrícolas combase na restrição das zonas de cultivo de forma rentável. O combateao desemprego assumiu contornos nítidos - um ponto de honra paraa Administração Roosevelt - com a política de execução de grandesobras públicas indispensáveis à nação e às suas estruturas dedesenvolvimento, desde barragens, estradas, pontes, escolas, atésistemas de irrigação, vias férreas, canais... Neste plano laboral foiimposta uma regulamentação rigorosa, com especial destaque para asemana de trabalho de 40 horas, rentabilizando o mercado detrabalho e abrindo hipóteses de emprego a outros trabalhadoresaptos. Ainda no plano do trabalho, permitiu-se, pela primeira vez, alivre associação de trabalhadores - os sindicatos.
É de realçar, contudo, a dimensão social do New Deal: neste planode recuperação nacional, preconizou-se uma nova forma deintervenção do Estado na sociedade americana em termos decondições e nível de vida mínimos, principalmente para osdesempregados, idosos, deficientes, órfãos... Surge o Welfare State,versão americana (anterior) do Estado-Providência europeu. Saláriomínimo e subsídio de desemprego são algumas das criações doWelfare State.
No fundo, incrementou-se todo um conjunto de medidas para que osamericanos pudessem ter rendimentos e condições de vida mínimas,de forma a haver poder de compra, o que significa incentivar aprodução, equilibrar a oferta e a procura e assegurar a manutençãodos postos de trabalho. Podemos resumir assim os vetoresfundamentais do New Deal: investimento estatal, medidas decarácter social, grandes trabalhos, produção equilibrada, emprego,salários, melhores rendimentos das famílias, consumo,desenvolvimento sustentado e controlado, recuperação dosindicadores de nível de vida americanos anteriores ao crash de 1929.O país torna-se mais dinâmico, produtivo e apto a evitar ou aresponder positivamente a crises económicas.
Como grande projeto de legislação e política financeira, o New Dealexigiu do povo americano sacrifícios e capacidade de resposta comonunca se imaginara, obrigando o Estado, a partir de então, a exercerum forte controlo da produção agrícola e industrial, do comércio, dabanca e da bolsa, enfim, da estrutura económica americana. Oesforço foi plenamente recompensado pelo desenvolvimentoeconómico registado na década de 30. Os EUA relançam-sedefinitivamente como primeira potência económica, política e militardo mundo.
Pacote de medidas
Embora o mentor deste projeto, Roosevelt, fosse bastantecompetente, era totalmente impossível pôr a funcionar, de umaforma coerente e organizada, este vasto e complexo conjunto deprogramas sem ter a seu lado uma equipa numerosa e competenteque projetasse muitos dos planos promovidos pela Casa Branca. Essaequipa foi formada e chamava-se Brain Trust. O Brain Trust era umgrupo informal, supragovernamental, que integrava professores,advogados e outros indivíduos que aconselhavam o Presidente,sobretudo em matérias relacionadas com assuntos económicos.
A esmagadora vitória de Roosevelt nas eleições de 1932, juntamentecom a pior crise económica de sempre nos Estados Unidos, permitiu aadoção de uma nova legislação em 1933.
O Emergency Banking Act possibilitou a inspeção federal dos bancos,restabelecendo, simultaneamente, a confiança nestas instituiçõesapós uma terrível vaga de falências. Uma segunda lei relativa aosbancos determinou algumas regras para as instituições bancárias, eassegurou alguma confiança por parte dos depositantes através daformação do Federal Deposit Insurance Corporation.
As leis de 1933 e 1934 detalharam os regulamentos do mercadobolsista determinados por uma comissão: a Securities and ExchangeCommission (SEC).
A questão das hipotecas de quintas e de casas particulares foitratada com cuidado: foram aliviadas e, em troca, surgiram novasgarantias para a compra de casas através do recém-criado FederalHousing Administration (FHA). A Federal Emergency ReliefAdministration alargou as ajudas aos necessitados dos estados,sendo esta ajuda reforçada pela criação de um corpo civil - a CivilianConservation Corps (CCC). Este organismo era responsável pelaatribuição de uma espécie de subsídio aos jovens do sexo masculinointegrados, temporariamente, numa força paramilitar. O Congressoestabeleceu também o Tennessee Valley Authority (TVA) paradesenvolver o rio Tennessee, torná-lo navegável, e utilizá-lo naprodução de energia elétrica.
A principal legislação de 1933 estava diretamente relacionada com ossetores económicos básicos. O setor agrícola foi igualmenteagraciado com medidas especiais. Assim, o Congresso lançou oAgricultural Adjustment Act, com o objetivo de ajudar a restabeleceros preços agrícolas e reduzir a sobreprodução das colheitas mediantebenefícios governamentais. Deste pacote de medidas, a maisimportante terá sido a National Industrial Recovery Act (NIRA),composta por dois programas de recuperação económica. Ao abrigodeste plano foi gerado o Public Works Administration e um programapara regular os negócios e assegurar uma saudável concorrência.
A esperança de recuperar a economia era uma ilusão em 1933, numaaltura em que muitos dos projetos de lei foram consideradosinconstitucionais pelo Supremo Tribunal. Este panorama foi agravadopela crescente oposição à política de Roosevelt; contudo, em 1935,foi preparado um segundo conjunto de leis.
Neste Segundo New Deal, como é designado por algunsobservadores, o Presidente Roosevelt explorou o desenvolvimento dedivisões de classes, entabulou alianças com os sindicatos laborais,puniu os grandes grupos empresariais que se opunham ao New Deal,sobrecarregou os mais abastados com impostos mais elevados eprovidenciou subsídios para a eletrificação das zonas rurais. Nesseano a administração Roosevelt lançou o National Labor Relations Act,uma legislação voltada para os direitos laborais. Este programa seriacontinuado em 1938 pelo Federal Fair Labor Standards Act.
Nesta altura, consultores próximos da presidência chamaram aatenção para a necessidade de promover a iniciativa privada. Osprogramas de recuperação económica foram contemplados com umaquantia de cinco mil milhões de dólares. Este dinheiro também seriaaplicado num novo programa, o Works Progress Administration(WPA). Em 1935, o Governo patrocinou um projeto que visava atuarexclusivamente no campo social. O Social Security Act pretendiaconstituir um fundo de reforma, um subsídio de desemprego e fundossociais de distribuição local.
Dois anos depois (1937), esta legislação viria a ser muito criticada,sobretudo no Sul, numa altura em que as atenções da nação secomeçavam a voltar para a política externa e para a defesa, emespecial a partir de 1939.
O New Deal tinha chegado ao fim. A sua marca, no entanto,permaneceu como um modelo de recuperação de economias emcrise.